Uma vida além do “faça o que você ama”

por Gordon Marino, para o New York Times

Orientandos ansiosos e preocupados muitas vezes vem até o meu escritório me pedindo para ajudá-los a ponderar referente às suas vidas após o término da graduação. Alguns dias atrás, um calouro veio se consultar comigo porque ele estava preocupado se deveria se tornar um médico ou um professor de filosofia. Alguns minutos depois, ele confessou nervosamente que ele também tinha pensado em dar uma chance para a stand up comedy.

Como conselheiro vocacional, minha reação automática sempre foi “o que você mais ama fazer?”. Às vezes eu até mesmo fazia um sermão sobre como é importante a distinção entre o que pensamos que devemos amar fazer e aquilo que realmente amamos fazer.

Mas “faça o que você ama” é sabedoria ou papo furado?

Em um artigo muito discutido no Slate no início do ano, a escritora Miya Tokumitsu argumentou que o ethos de “faça o que você ama” tão onipresente em nossa cultura é na verdade elitista porque menospreza o trabalho que não é feito com amor. Também ignora a ideia que o trabalho por si só possui um valor inerente e, mais importante, rompe a conexão tradicional entre trabalho, talento e dever.

Quando estou fora do campus e informalmente aconselho adolescentes pobres de Northfield, Minnesota, uma cidade de cerca de 20 mil habitantes, o tema não é “faça o que você ama”. Muitos deles estão acostumados a entregar jornais às 5 da manhã, atirar telhas durante todo o dia e carregar caminhões por toda a noite. Eles estão acostumados a fazer o que for para ajudar suas famílias. Para eles, a noção de fazer o que se ama ou achar significado no que se faz não é a primeira coisa que se vem em mente; e nem deveria ser. Pensamos juntos e consideramos, “O que você faz de melhor?” ou “Que trabalho melhoraria as perspectivas da sua família?”. Talvez ser licenciado como soldador ou eletricista? Talvez ser militar? Paixão e significado podem entrar na conversa com o entendimento de que eles afiam o seu foco e te fazem ter mais sucesso.

Meu pai não amava o que fazia. Ele trabalhou com algo que detestava para que pudesse nos mandar para a faculdade. Será que ele era tão pouco esclarecido e equivocado ao colocar o bem estar dos outros acima de seus interesses pessoais? Pode-se argumentar que a sua ideia de realização pessoal seria cuidar de sua família, mas novamente, como muitos outros menos afortunados, ele odiava o seu trabalho mas cerrava seus dentes e o fazia bem.

Poderia-se, eu suponho, argumentar que meu pai tornou sua necessidade em virtude, ou que cuidar o melhor que se pode da sua família é realmente uma forma de serviço em benefício próprio. Mas se colocar de escanteio, deixando de lado suas próprias paixões em benefício de um número maior de pessoas, seja a família ou a sociedade, não é algo que acontece naturalmente com alguém.

Nem todos tomam esse caminho. Você deve conhecer o conto do Dr. John Kitchin conhecido como Slomo, que abandonou a carreira médica por sua verdadeira paixão – andar de patins pelo calçadão da praia de San Diego. Mas será que é ético para o médico deixar de lado o seu estetoscópio e amarrar os cadarços do seu patins?

Pensadores tão profundos quanto Kant têm se confrontado com essa questão. Antigamente, antes da morte de Deus, os crentes acreditavam que seus talentos eram dádivas às quais eles estavam compelidos a dever utilizar em favor dos outros. Em seu tratado sobre ética, “Fundamentos da metafísica da moral”, Kant pondera: suponha que um homem “ache em si mesmo um talento que pode torná-lo um homem útil em muitos aspectos. Mas ele se encontra em circunstâncias confortáveis e prefere uma indulgência que lhe dê prazer ao invés de suportar as dores de ampliar suas capacidades naturais”. Ele deveria sucumbir à indulgência?

Kant bufa, não – que uma pessoa não admita que seu talento enferruje em prol de um prazer externo deveria ser uma lei universal da natureza. “Como um ser racional” ele escreve “ele necessariamente quer que suas faculdade sejam desenvolvidas, uma vez que elas o servem, e têm sido dada a ele para todos os tipos de propósitos”.Para Kant, seria irracional conceber um mundo onde respeitassem a lei do “faça o que você ama”.

Talvez, diferentemente de Kant, você não acredita que o universo esteja nadando em propósitos. Então o “faça o que você ama” ou o “faça o que tem mais significado pra você” são o primeiro e o último mandamento? Não necessariamente.

A fé de que as coisas que gostamos ou não ou que o nosso senso de significado por si sós deveriam decidir o que eu faço são a parte e o todo do evangelho da realização pessoal. A filosofia sempre esteve certa em nos instruir que podemos estar errados em relação ao nosso entendimento de felicidade como de qualquer outra coisa. O mesmo vale para a noção de realização pessoal. Suponha que a verdadeira realização pessoal aconteça na forma de desenvolver-se em um “ser humano maduro”. Isto é claro para não mencionar que devemos evitar o trabalho que amamos justamente porque o amamos. Isso seria absurdo. Para alguns, uma harmonia feliz existe ou se desenvolve na qual eles acham prazer em utilizar seus talentos de uma forma responsável, ou orientada de outro modo.

Os paradigmas universalmente reconhecidos da humanidade – os Nelson Mandelas, Dietrich Bonhoeffers e Martin Luther Kings – não organizaram suas vidas em torno de realizações pessoais e listas. Eles, sem dúvida, acharam um senso de significado em seus heróicos atos de auto-sacrifício, mas não fizeram o que fizeram no sentido de alcançar esse senso de significado. Eles fizeram – como o meu pai e como alguns adolescentes daquela cidade – o que eles sentiram que precisavam fazer. 

Dr. King ensinou que toda vida é marcada por dimensões de comprimento, largura e altura. O comprimento se refere ao amor próprio, largura o amor à comunidade e ao cuidado com outros e altura ao transcendente, a algo maior que si mesmo. A maioria das pessoas concordaria com a prescrição do Dr. King de que realização pessoal requere que a pessoa seja capaz de relacionar-se com algo maior que si mesmo. Tradicionalmente, este algo “maior” era um código para Deus, mas o que quer que seja o transcendente, ele demanda obediência e a vontade de submergir e remodelar nossos desejos.

Talvez você goste de correr maratonas. Talvez você pense em seus exercícios de rotina como uma forma de aperfeiçoamento pessoal. Mas se o seu “algo maior” é, digamos, a justiça e a igualdade, esse tipo de ideal pode fazer com que você delegue muitas das horas em que passaria batendo a faixa do seu próprio recorde, fazendo a tutoria de crianças em algum centro de juventude. Nossos desejos não devem ser os árbitros finais de nossa vocação. Às vezes devemos fazer o que odiamos, ou o que mais precisamos fazer, e fazer isso da melhor forma que pudermos.

Gordon Marino é professor de filosofia no St. Olaf College e editor do “The Quotable Kierkegaard”.